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Disfarçado, projeto na Câmara introduz “jabuti” para interferir no Plano Diretor e atender interesses imobiliários

O presidente do Instituto Cidade e Território (ITCidades), Lino Peres, e a vice-presidente, Maria da Graça Agostinho, participaram de reunião ampliada na Câmara Municipal de Florianópolis, dia 4 de abril, para debater o substitutivo global ao chamado projeto do “retrofit”. A reunião foi chamada pela vereadora Carla Ayres (PT), presidenta da Comissão de Educação e Cultura e relatora do substitutivo global. Lino e Graça apontaram vários problemas na proposta (no anexo), que acaba mexendo com o Plano Diretor.

O projeto foi proposto pelos vereadores Bruno Souza (Novo) e Gabrielzinho (Podemos) em 2017 e estava arquivado por término de legislatura, mas Gabrielzinho e a vereadora Manu Vieira (Novo) protocolaram uma versão atualizada da proposta, que foi desarquivada e atualizada em um substitutivo global. As modificações têm por objetivo “modernizar” o projeto e “facilitar” a reforma de edifícios antigos, que muitas vezes se encontram subutilizados, sendo esta a lógica do retrofit. O termo vem do inglês e adere à lógica de “retrofitar” a cidade, modalidade de requalificação imobiliária que surgiu na Europa para resolver o problema de edifícios antigos e históricos inutilizados ou com tecnologias ultrapassadas que impossibilitam o uso. Porém, como costuma acontecer em Florianópolis, a moda europeia foi importada e adaptada para atender interesses imobiliários.

A “pegadinha” é a seguinte: o projeto está sendo vendido como caminho para “revitalização” da ala Leste do Centro Histórico da capital, ou seja, para prédios mais antigos e que precisam de reforma, conforme notícia da associação empresarial Floripa Sustentável, que anda promovendo andanças no Brasil e no exterior para “buscar referências” de retrofit (leia aqui: https://floripasustentavel.com.br/floripa-sustentavel-busca-inspiracao-no-retrofit-da-europa-para-regenerar-centro-historico-da-capital/).

Mas, da forma como está, o projeto acaba abrangendo prédios bem mais novos, e já será explicado o motivo para isso ser um problema.

São trechos do projeto:

Art. 3º – É admitida a adequação de imóveis (retrofit) nas edificações existentes:

I – com mais de 10 (dez) anos após emissão do habite-se;

II – a qualquer tempo: 

c) em edificações sem habite-se, concluídas até a data definida no Art. 1° da Lei Complementar nº 374, de 8 de janeiro de 2010.

Art. 9º As áreas destinadas a estacionamento podem sofrer processo de adequação de imóveis (retrofit), modificando inclusive seu uso.

O leque de prédios abrangidos pela proposta, portanto, é bem mais amplo do que os prédios mais velhos do Centro Leste e permite, por exemplo, que um estacionamento tenha outro uso, como um shopping poder aumentar o número de lojas para além do projeto original, feito por regras anteriores.

Na discussão, grande parte dos presentes fez considerações críticas a partir da palestra do arquiteto Gustavo de Andrade, pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). Ele apontou aspectos positivos do substitutivo global, como buscar garantir a acessibilidade aos prédios antigos e a atualização à legislação vigente quanto à segurança, mas teceu críticas, como o fato de o substitutivo estabelecer medidas que dizem respeito ao Plano Diretor e, sendo assim, seria necessária Audiência Pública.

Andrade também frisou a necessidade de estudos sobre os impactos que o substitutivo ocasionará na cidade, salientando que a proposta alcançará prédios de 10 anos para trás, o que engloba mais da metade da cidade e não apenas os limites urbanos da parte Leste do Centro Histórico, o “jabuti” inserido no projeto.  Por isso, seria necessário um amplo debate com a sociedade e a apreciação minuciosa do Conselho da Cidade.

Na reunião, Maria da Graça, representando também o IAB-SC (Instituto de Arquitetos do Brasil), afirmou a necessidade de se definir uma política de preservação do patrimônio, sugerindo alterações no substitutivo (veja no anexo).

Lino, representando também o Fórum da Cidade, reforçou a argumentação de que o substitutivo entra no âmbito do Plano Diretor, infelizmente aprovado em maio de 2023 sem participação popular efetiva. Sem desconsiderar pontos positivos do projeto, ele sugeriu estudo das alterações e possíveis impactos com simulações digitais e gráficas, evitando, no Centro Leste, processos de expulsão de antigos moradores para atendimento de população de alta renda (a chamada gentrificação). Lino observou que há vários trabalhos acadêmicos de universidades catarinenses que devem ser consultados para melhorar o projeto.

Indicou-se para a Comissão que:

1) o substitutivo global do projeto seja mais debatido com a sociedade, considerando que mexe com questões ligadas diretamente ao Plano Diretor, o que exigiria audiência pública;

2) que o projeto exija a definição de uma política de preservação de bens patrimoniais, cujo levantamento se deve exigir da Prefeitura com a participação ativa do SEPHAN (patrimônio histórico) e não apenas do IPUF (planejamento urbano;

3) antes da tramitação final e apreciação no plenário da Câmara Municipal, que sejam realizados estudos sobre os impactos que o substitutivo global provocará na cidade;

4) se o substitutivo global for aprovado, que se restrinja à zona Leste do Centro Histórico, por ter a maior concentração de prédios históricos.

A Comissão encaminhará estas e outras recomendações à vereadora Manu Vieira, autora do substitutivo.

PROJETO: https://itcidades.org.br/wp-content/uploads/2024/04/Substitutivo_Global_PLC_01750_2018.pdf

ALTERAÇÕES SUGERIDAS PELA VICE-PRESIDENTE DO ITCIDADES: https://itcidades.org.br/wp-content/uploads/2024/04/Contribuicao_PLC1750_2018.docx

Fotos: Leidiane Sampaio/Mandato Carla Ayres

 

IT CIDADES

Equipe de comunicação do IT CIDADES.

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