Manifesto de Criação do Instituto Cidade e Território (ITCidades)

Vivemos, no mundo todo, tempos de profundas transformações sociais, econômicas e culturais no plano civilizatório, em que as estruturas em todos os níveis, mesmo em meio a conflitos e contradições, embalaram as possibilidades das vidas nos últimos dois séculos. O século XXI inicia tendo como marcas o agravamento das desigualdades, uma absurda concentração da renda, tensões e violências como a xenofobia, racismo, machismo, homofobia, sociedade marcada pelo patriarcalismo e o patrimonialismo, novos modos de colonialismo, acontecimentos que forjam novas e históricas lutas de classes, sem precedentes nas suas configurações clássicas.

O mundo analógico e o digital desestruturam as bases da divisão internacional do trabalho, sopram o “velho” sobre o “novo”, desajustam o que parecia inquebrantável, o desemprego e uma nova escalada da fome e miséria caminham em paralelo com as transformações tecnológicas, quando deveriam ser superadas. O tempo livre e a felicidade, projetos de uma utopia possível, se distanciam no horizonte.

O mundo se urbaniza, nas suas expressões territoriais e comportamentais, as cidades nuclearizam as vidas, perspectivas e sonhos. Por isso, o centro da atenção do Instituto Cidade e Território é a luta urbana e suas extensivas territorialidades.

Considerando que existe um movimento internacional, que inclui o Brasil e muitas das suas localidades e territórios, no sentido de profundas transformações urbanas, que atendam às necessidades fundamentais do ser humano, como: habitação, mobilidade, saúde, transporte, prosperidade e sustentabilidade, de modo harmônico e interconectado com o meio ambiente saudável;

Considerando que a nossa sociedade demanda por instrumentos e sistemas tecnológicos que proporcionem um desenvolvimento igualitário, harmônico, democrático e sustentável dos espaços urbano e metropolitano;

Considerando que tais instrumentos e sistemas devam ser de controle da sociedade civil, resguardado do poder político estatal, para garantir continuidade, estabilidade e máxima conformidade com as reais demandas da população e das diferentes localidades;

Considerando que o poder público, por si só, tem grandes limitações quanto à capacidade de gerar soluções eficientes e eficazes para dar resposta a essas demandas de toda a sociedade, em função, principalmente, das tarefas administrativas, dos compromissos políticos de classe e da alternância de poder, nós, que subscrevemos este manifesto, decidimos instituir uma entidade de Planejamento Urbano, denominada, desde já, Instituto Cidade e Território, com sede e foro no Estado de Santa Catarina.

Entendemos que um Planejamento Urbano eficaz precisa ter, como princípios básicos, independência e autonomia político-administrativa em relação ao Estado e às instituições públicas oficiais.

O Instituto Cidade e Território tem como objetivo promover debates, estudos e pesquisas, propiciar a capacitação teórica e científica, desenvolver projetos de urbanismo e meio ambiente, incentivar e participar das intervenções públicas que possam garantir a distribuição igualitária dos recursos públicos, de forma que permitam melhorar a qualidade de vida de toda a população. Também é objetivo do Instituto trabalhar para o desenvolvimento e implantação de projetos voltados à melhoria das cidades, colaborando para a “Reforma Urbana”, que designa um conjunto de políticas públicas e ações de readequação das cidades para assim modificá-las, promovendo a expressão social, cultural e econômica de todas as pessoas, coletivos e organizações da sociedade, garantindo, com isso, o acesso de todos/as à estrutura e seus benefícios sociais, incluindo as políticas de habitação, mobilidade urbana e serviços públicos, além do próprio uso do solo, estando diretamente ligado ao direito à cidade.

O Instituto Cidade e Território se pauta pela Reforma Urbana (direito à cidade e urbanismo sustentável), pela democracia e participação (formação e participação cidadã), pela luta popular dos movimentos sociais, pela inclusão social (organizações sociais, juventude, mulheres, negros, LGTBQIA+, movimentos populares, formação e poder popular), pela sustentabilidade (desenvolvimento local, distribuição espacial, econômica, social e cultural, resíduos sólidos, segurança alimentar e nutricional – redução da desigualdade social e econômica) e pela cidadania plena na sociedade (solidariedade, respeito, convivência e liberdade de manifestação política e ideológica).

O Instituto Cidade e Território utilizará métodos e técnicas inter e multidisciplinares para o desenvolvimento teórico técnico e para a realização de estudos e planos urbanísticos municipais e metropolitanos (planos diretores municipais, orçamento participativo e outros instrumentos democráticos constituídos pela sociedade civil), bem como para a elaboração de projetos de pesquisa e extensão, desenvolvimento de atividades de capacitação, mapeamentos socioculturais, históricos e ambientais, consultorias, assessorias, mobilizações sociais, articulação acadêmica e prática com Redes e Fóruns nacionais e internacionais de planejamento urbano e promoção de seminários e debates públicos.

O Instituto Cidade e Território terá três eixos principais de trabalho, complementares entre si, que permitirão a criação de diversos projetos de forma coordenada, atingindo problemas complexos. O primeiro eixo de atuação do Instituto é a de elaboração e criação continuada de um banco de dados com trabalhos técnicos e científicos sobre cidades, urbanismo e políticas urbanas, centralizando conhecimento, sistematizando e facilitando o acesso e a manipulação dos dados e informações, e dando suporte ao segundo eixo de atuação, que é a promoção e criação de políticas públicas democráticas e inclusivas de interesse da maioria das populações das cidades.

Nesta eixo, o foco será o debate inter e multidisciplinar, aprimorando legislações, propondo novas soluções dentro da política institucional, propiciando espaço e estímulo de mobilização social de transformação de realidades locais e promoção da Reforma Urbana Sustentável. Será incrementado e incentivado pelo terceiro eixo de atuação, a elaboração de estudos, planos e projetos estratégicos. Neste nível de ação, serão identificados os problemas centrais, através dos demais eixos de trabalho, dando a oportunidade para projetos e ações nas comunidades urbanas e suburbanas, tais como capacitação, geração de renda, melhoria da qualidade de vida, participação popular, melhorias nas condições de habitação e vivência urbanas, melhoria dos equipamentos etc.

Nosso objeto de trabalho é a cidade e todas as suas dimensões, entendida como o lócus de manifestação e concretização das relações sociais, econômicas, políticas e culturais. Concentra-se no plano das relações entre as representações da sociedade, governos e estado, nos planos, municipal, estadual, nacional e seus respectivos territórios, onde só os processos de participação garantem os encaminhamentos das demandas populares e seu fortalecimento, seja na organização de fóruns e redes de comunicação ou na análise das gestões municipais e das políticas públicas.

O espaço, tempo, lugar e território são indicadores fundamentais que norteiam as ações do Instituto. No âmbito do estado de Santa Catarina, o Instituto atuará sob os princípios e diretrizes assinalados, debruçados sobre as especificidades e particularidades regionais de um estado do sul brasileiro conhecido pela sua geomorfologia diversa, que une orla marítima, montanhas e reserva de Mata Atlântica, além do Aquífero Guarani como grande manancial de água, hoje ameaçado de exploração indevida por grandes empresas nacionais e multinacionais. Destaque-se, ainda, que Santa Catarina possui imensos recursos hídricos com inúmeras pequenas represas e historicamente ocupada por economias regionais, assentadas no pequeno produtor da agricultura familiar, dependentes em muitos casos da agroindústria. Por isso, é preciso pensar e refletir sobre o planejamento descentralizado e por microrregiões e bacias hidrográficas, articulado com o enfoque metropolitano de regiões conurbadas como a Grande Florianópolis, Chapecó, Criciúma, Blumenau, Itajaí e todo o Vale do Alto e Baixo Itajaí.

Neste sentido, é importante estudar de forma crítica o tratamento metodológico e de conteúdo aplicados pelo Estado e que se dá de forma integrada e articulada nas regiões do estado como um todo. O campo de estudo das políticas públicas e ações deve contemplar o tratamento da orla catarinense, que por si é um mundo à parte, articulado com o tratamento regional em cada região metropolitana especifica, dentro de uma malha viária que integra o estado por via de cargas e mobilidade.

O planejamento, os métodos e metodologias, estudos e pesquisas, pressupõem, para o Instituto, participação social, pesquisa-ação, portanto, relação direta e articulada com os interesses dos movimentos sociais e da sociedade civil, cujo objetivo principal é o fortalecimento da democracia radical, direta e participativa.

O Instituto Cidade poderá, por si ou em cooperação com terceiros:

  1. Organizar serviços de documentação e informação;

  2. Produzir, publicar, editar, distribuir e divulgar livros, revistas, vídeos, filmes, fotos, materiais diversos, exposições, programas de radiodifusão entre outros;

  3. Realizar prospecção, gravação, edição e divulgação de imagens, músicas, depoimentos relacionados com suas diversas atividades, de acordo com a legislação vigente;

  4. Documentar, por todos os meios, suas diversas atividades, assim como os fatos e situações que tiverem relação com suas finalidades;

  5. Distribuir e vender produtos e materiais do próprio instituto ou de terceiros, respeitada a finalidade social do Instituto;

  6. Promover ação civil pública e outras iniciativas judiciais com a finalidade de defender bens e direitos sociais, coletivos ou difusos, especialmente os relativos ao espaço urbano, ao meio ambiente e ao patrimônio cultural;

  7. Assessorar e prestar serviços de consultoria em planejamento, avaliação e execução de projetos a organizações públicas e privadas;

  8. Firmar convênios, contratos, termos de parceria, acordo de cooperação técnica, termo de colaboração, termo de fomento, dentre outros para prestação de serviços a outras instituições públicas, privadas e/ou terceiros;

  9. Realizar, organizar, promover ou participar de eventos culturais como debates, conferências, seminários, cursos, congressos, performances artísticas;

  10. Realizar e promover intercâmbio com outras entidades para a defesa comum do patrimônio público urbano ambiental e cultural e dos direitos dos povos, com especial ênfase na América Latina;

  11. Promover estudos de direito comparado, bem como estudos educacionais, econômicos, antropológicos, geográficos, biológicos, ecológicos, sociológicos, arqueológicos e demais campos do saber humano correlatos com suas diversas atividades;

  12. Promover, organizar, produzir, divulgar e participar de eventos e campanhas nacionais e internacionais de apoio e defesa do patrimônio público urbano, ambiental e cultural e dos direitos dos povos.

  13. Executar serviços de assistência técnica e extensão rural, voltados, sobretudo, à promoção do desenvolvimento social e econômico ambientalmente sustentável;

  14. Promover e apoiar, técnica e financeiramente, inclusive por meio da concessão de bolsas, a realização de pesquisas, investigações e atividades científicas que tenham por objetivo a produção, ensino e difusão de conhecimento que seja relevante para alcançar os objetivos previstos neste artigo.

São estas as propostas que orientam as ações do Instituto Cidade e Território, que estão conformadas e desenvolvidas a partir das estruturas organizadas para o funcionamento e planejamento do curto, médio e longo prazo.

Este Manifesto chama todas e todos que acreditam nas profundas transformações que todos os dias batem às nossas portas, corações e mentes, a se engajarem nessa missão, na perspectiva de construção de uma revolução democrática e radical, que impulsiona nossas utopias e sonhos.

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